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terça-feira, 29 de junho de 2010

Coisas que o homem precisa passar

ser pessoa quando ninguém mais o seja
ser guia quando a humanidade perdida esteja
estar atento quando forem só trevas
ficar sedento quando o amor já não anima

sentir fome de prazer quando sedentos
sentir frio quando sem abraço esteja
amar coração sem amor
e por isso, soltar lágrimas de dor

ser humano é uma responsabilidade
não tem nada a ver com a idade
é tudo uma questão de sensibilidade:
se sou eu, devo ser o outro, tudo junto e misturado.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Amores de uma mulher

Há tantos amores na vida de uma mulher! Aos quatro anos, ama-se a natureza, o pai. Os rosas que brilham, os saltos de senhoritas; aos dez, ama-se o menino que brinca conosco; aos treze, ama-se o homem bonito e charmoso, americano, molhado, dos filmes.
Quase me senti mal quando vi pela primeira vez o rosto molhado de um homem que estava por sair da piscina. Por fim, aos catorze ou quinze anos, ama-se um jovem que vem a nossa casa, e que é um pouco mais que um irmão, menos que um amante; depois, aos dezesseis anos, ama-se um outro homem, até aos vinte e cinco; depois, talvez se ame o homem com quem casamos, quando casamos. Cinco anos mais tarde, ama-se o cavalheiro que cedera o assento para que se sentasse; por fim, aos trinta e seis, ama-se a deputação, a especulação, as honrarias; aos cinquenta, ama-se o crítico do livro que escrevera; aos sessenta, ama-se a lembrança daquilo que era amor. Não será assim?
Porque eu passei por todos esses amores; não todos, porém, porque não vivi todos os meus anos, e cada ano, na vida de muitas mulheres, é marcado por uma paixão nova, paixão dos homens, do rosa, do salto, do bichinho de estimação, do livro, da posição. Quantas loucuras há numa mulher! Oh! não há a menor dúvida de que os escritos de Virginia Woolf não são mais variados do que as loucuras do espírito humano, e ambos chegam ao mesmo resultado: ficarem paradas, esperando que algum cavalheiro se apresente, o que não acontece faculmente, e que o dinheiro com a venda do livro dê, ao menos, para pagar o cigarro que fumam.
 
Adaptação de “Memórias de um Louco”, de Gustave Flaubert.