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domingo, 30 de maio de 2010

Quando concebida, a mulher

Entre prazer e gemidos constrangedores. Entre ranger de dentes e olhos virados, entre barulhos de madeira se chocando, entre sorrisos e “eus” te amo, entre displicência e acaso, entre fazer sem pensar, um feixe de luz surgiu, quando as letras se encontraram. Uma força que ninguém sabe de onde veio, apareceu. A claridade foi aumentando, e aumentando, e aumentando, até que pordia-se dar como pronta a primeira célula da mulher, até então girino. Ela, ali, era um girino humano, pronto para começar a desenvolver-se, a crescer. Biologicamente a mulher começara sua vida, contínua e movimentada vida. Com um pouco mais de paciência, crescia, estava começando a ser mais alguma coisa. Não podia ser considerada um alguém, ou podia, mas ela não entendia porque estava ali, nem se lembraria, mais tarde, de que passara por aquele processo todo. De união, de luz, de desenvolvimento embrionário, como se estudam nos laboratórios de biologia, pelo mundo afora. A mulher, inclusive, nunca quis pensar em como fora concebida, mas era inevitável que, de vez em quando, sua dúvida era tão grande que ela procurava no mais íntimo de sua memória o como aquilo havia acontecido. Encontrou algumas informações básicas, mas a única certeza de que tinha é que tinha acontecido. Ela era um fato! Um fato cheio de outros fatos, que vinham de outros fatos. Um acontecimento. O acontecimento do século fora aquela mulher. A concepção daquele ser.
Depois de ser luz, passou a ser matéria. Tão pequena matéria. Um átomo insignificante. Ela foi a prova de que não precisa ser alto para ser grande. Era grande a força interna que aquele ser minúsculo fazia, que quem a carregava, pessoa que mais tarde chamaria de mãe, sentiu. Foram duas semanas até que a mãe da mulher percebesse que carregara algo mais que vísceras em sua barriga. Foi confundida com lumbriga, com gastrite, com todas doenças estomacais, inclusive aquela que chamam de susto e medo. Foi a primeira vez que a mulher fizera alguém chorar. Com apenas pouquíssimo tempo de desenvolvimento na bolha, a mulher já tinha feito alguém chorar. E, sem dó nem piedade, a mulher não soltou uma lágrima de dentro da bolsa.
Crescer e se desenvolver era difícil para a mulher, pois sempre, todos os dias ela sentia um gosto amargo como féu, um cheiro horroroso, que depois, mais tarde, quando alta, viria a sentir de novo e reconhecera o sabor e o odor do anti-bebê. Junto com o gosto do remédio, sentiu o gosto da tristeza, o gosto da repulsa, o gosto de ser rejeitada. A mulher fora rejeitada e ali, naquele instante da frente temporal, estava ela, rejeitando. Brincadeira da vida ou não, a mulher não sabia o que fazer diante de tal situação. Ficou sem saber. Ela nunca soube das situações, mesmo.
Céluas cresciam, dois milagres da vida vinham acontecendo ao mesmo tempo: a repulsa de alguém alto e a perseverança de alguém grande redondinho. Era um girino mostrando que queria viver. A mulher, quando alta, ao relembrar de tal teimosia em continuar viva, brigou consigo mesma, pois deveria ter se rendido ao anti-bebê. Pensava ela que teria sido bem menos difícil se tivesse aceitado deixar de existir ali, no instante em que alguém não queria que ela existisse. Mas naquele momento ela queria continuar seu desenvolvimento, ao contrário de quando alta, que rezava para o nada, todos os dias, todas as horas, todos os momentos, pedindo que deixassem que ela parasse de caminhar.
Foram alguns meses de agonia. Quatro para ser mais exato. Depois do quarto mês de tentativas frustradas por parte da mãe em cessá-la, desistiu, pois por mais que a mãe da mulher não quisesse o girino, ela ainda se queria. Egoísmo humano, que, tempo mais tarde, a mulher se viu egoísta também. “Será genético?” Pensou. E como todos os outros seres de sua espécie, aceitou o fato de que sim. A culpa não era dela, mas daquela que a passara tal característica. A mulher, em sua cabeça, não tinha culpa de nada. Só de ter aceitado a condição de continuar desenvolvendo... (Continua)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Consequências do amor

Um dia acordei e,
ao olhar pela janela,
reparei em quanto o sol estava mais lindo.
Depois, quando sai de casa,
até a asa do bem-te-vi tava mais amarela.
Continuei indo...
e o céu me olhava, com aqueles olhos verdes.
E descobri que era o amor que me fazia ver assim!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O menino e o Amor

O amor, que surgiu com os mirantes verdes de outrem, trouxe um medo de se render à sintonia. Meio assustado e feliz com essa situação, o menino decidiu se jogar do andar mais alto desse sentimento. Sem para-quedas, a sensação de insegurança ainda é menor que as borboletas em seu estômago. "Ai! Esperança de Quintana, leva-me pelos ares de todos os meses, de todos os anos". Perdido, o menino ainda sente o desejo de que seja eterno, pelo menos, enquanto dure.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Green Eyes

Vi o branco da tela, olhei para o lado, acendi um cigarro e no final da última tragada, lembrei daquela cena. Meus membros inferiores deram sinal, tremeram, pararam. E o superior, do meio do peito, estupefado de emoção, lembrou, sorriu e não parou. Involuntários e santos movimentos do coração.

sábado, 1 de maio de 2010

A Perda do Domingo

O menino se chamava Francisco. Era um nome normal, pra aquela época a qual ele vivia.
Ia às celebrações religiosas matinais, com sua mãe. Quando voltava, pelas ruas estreitas, quase vielas, de sua cidadezinha interiorana, Francisco gostava de imaginar como seriam aqueles quase-becos cheios de gente. Gente era o que Francisco menos via. Ele gostava mesmo era de olhar os animais. Sempre que passava pelos paralelepípedos da Rua Dica, observava cada janela grande. Eram tão coloridas, e fechadas. Observava que sempre, em todas elas, tinham caminhos de cupins. "Um dia aquilo tudo havia de cair", sussurrava Francisco, sem deixar que sua mãe o pegasse falando coisas que não deviam. Sua mãe pensaria que já era uma praga. E ela sabia que praga de criança pega, mesmo.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado tinham um mesmo nome para Francisco: SEANTO. Para ele, todos os dias eram iguais, com excessão dos domingos, que tinham as celebrações e as passagens de ida e vinda pela Rua Dica. Ninguém entendia o porquê daquele menino estranho, que mal falava com os outros, sempre chamar os dias da semana de seanto. Mas Francisco era esperto e observador. De animais, sobretudo.
Em um domingo, Francisco já acordou assustado. O sol já tinha subido mais que o normal. Não dava tempo de ir para a celebração. A rotina de Francisco havia voltado, surgido, dilacerado seu coraçãozinho de menino. Aquele foi o dia em que domingo deixou de ser domingo, para ser seanto.