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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Triste

Estou triste. Não deixei de ver esperança em qualquer canto ou de cantar qualquer choro. Só fiquei triste e me dei essa possibilidade, de deixar as pálpebras caírem, o coração bater mais fraco e o estômago sentir pancadas frias.
Sempre tive medo da tristeza. Assustado, sempre corria e buscava aquele sorriso guardado capaz de cessar qualquer tempestade, capaz de fazer qualquer sol brilhar, independente das nuvens carregadas que insistem em passearem na sua frente.
Dessa vez deixei chover. E agora chove. A tristeza é sentimento que rega o coração e, como aprendi na biologia, deve nascer folhinhas verdes com tanta semente de esperança que plantei em mim.

domingo, 15 de novembro de 2015

Pra um amigo com coração partido


Quando estamos em uma relação amorosa, damos nosso coração pro outro. Intencional ou não, quando sentimos afeto, nosso coração já não é mais nosso. Isso de jeito nenhum pode ser considerado como uma falha emocional ou desastre sentimental, apesar de ver acontecer com frequência.
Nosso coração está lá, nas mãos, pés, corpo do outro, sendo cuidado de acordo com os limites do anfitrião. Às vezes machuca, ele cai, rala, mas que nem menino pequeno, levanta chorando e logo volta a correr de novo.
Nesse processo todo, quando recebemos nosso coração de volta? No término. Quando um relacionamento termina é a devolução do nosso coração. A pessoa devolve. Ele volta assim meio machucado, meio sem roupas, com pares de sapatos faltando, meio manco mas logo fica saudável de novo. E ninguém consegue parar um coração com saúde, vai doido querendo ser dado de novo.
Tem as vezes que nos devolvem subitamente. Recebemos num tranco, num susto. Quando somos traídos é uma dessas formas. Ele chega rápido, com força, retornando ao seu lugar de origem, sua casa basilar. E aí dói muito, assusta muito, requer cabeça no lugar para lidar com essa volta abrupta de um coração que foi dado com tanto cuidado e jogado de volta, sem tanto cuidado assim. 
Coração da gente é bolinha de gude em mão de criança, jogada na terra, procurando o buraco certo. Mas no meio do caminho ele bate em outros corações, se partem às vezes... e como na brincadeira, podemos mudar as regras, refazer os caminhos, furar buracos, trocar. 
E como nota final, reconheço que coração depois de dado uma vez nunca mais é o mesmo. A única coisa que mantém é o desejo de ser doado, de encontrar outro cantinho que cuide dele. Isso é coração.

sábado, 14 de novembro de 2015

Ressaca

Acordei. Com ressaca, bebi um copo de água que desceu limpando, aliviando a náusea e dor de cabeça. Não foi a cachaça passada. Aliás, essa não foi suficiente para me fazer esquecer o mundo. Pior que álcool, os noticiários acamam. Consegue sentir o cheiro de sangue? E de lama?

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Do fogo eu vim pro fogo eles vão

Há algumas vidas atrás, os vi entrarem na modesta casa cheia de ervas penduradas. Lembro até hoje do cheiro de incenso, feitos pelas mãos de minha mãe, sendo tomado pelos gritos que ela soltou depois da bofetada que um dos seus deu em seu rosto. Urrei. Não adiantou. Vi minha mãe ser levada, a pontapés e xingamentos. Depois, não quis acreditar que aquele fogo enorme aceso no meio da praça... jogaram-na. Ela não gritou, me encontrou com o olhar e dali em diante soube que ela viraria força. Morri tempos depois, sendo chamado de filho da bruxa.
Vidas depois, vi, também no fogo, serem jogados meus livros que há tempos vinha colecionando, como se colecionam passaportes ou cartões-postais, viagens. Limitaram aquele que me salvaria das suas garras burras, meu conhecimento. Não adiantou muito, aprendi mais nos seus olhos doentios de ódio que com qualquer outro livro, afinal, a bruxa já tinha me ensinado a abrir a janela do olhar. Aprendi, inclusive, que o silêncio que me obrigavam a ter seria meu melhor companheiro. Calei.
Na última que me lembro, pensando estar salvo de seus fogos mortais, já sabia ficar calado, já sabia viver sozinho, mas nunca soube compreendê-los, senhores e senhoras intolerantes, preconceituosos, estúpidos e burros. Morri, agora, por uma arma de fogo, por não concordar com seus pensamentos. Mesmo calado sabia discordar.
Agora, senhores e senhoras, que querem meu voto de confiança, vos digo que NÃO. Nesta vida vim esperto. Calado sei balançar a cabeça discordando. Até pra chorar sei fazê-lo em silêncio. Enquanto gritam aos quatro cantos querendo atenção, aprendi a olhar e não ouvir. Aprendi, inclusive, a perceber quem são os meus e de quem eu sou. E continuo aprendendo. Doente sei usar meus matos. Ignorante sei aprender com o tempo. Atirado aprendi a me jogar.
Agora, senhoras e senhores, que sonham somente suas verdades, um aviso: do fogo que outrora me mataram nesta vida eu vim filho. É dele meu destino. Afogado não me matarão, já que da água vim companhia. E de todos os fins que me roubaram, o início que eu já tinha me acompanhou a renovação. É calados que vamos derrubá-los. É no nosso silêncio que cairão. Nosso silêncio é grito que vai ensurdecê-los. E o fogo, aquele que nos jogaram, há de julgá-los todos!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Auto-Prosa sobre A Caolha

Que seria a peça, uma vez que o ator se questiona, sempre há de questionar o que lê e o que chama de teatro? 
Talvez seja o que diz o dicionário, talvez o que diz o público, talvez o que ele ache. Mas, com certeza, é o que ele ainda vai descobrir montando, ensaiando, apresentando, desmontando, repensando. O teatro pode ser tudo ao mesmo tempo, inclusive ponto de interrogação. No entanto, no seu fim, sempre será o vir a ser. É ator que vem a ser personagem, é papel que vem a ser parede, é tecido que vem a ser figurino, é ação que vem a se cena. Teatro é gente que vem a ser público, público que vem a ser sensível, sensível que vem a ser transformação. É isso que a gente quer, que tudo venha a ser transformação para um mundo que se questiona a partir de bases pré-intencionadas, não valendo de muita coisa, destilando verdades. Que são verdades se não o oposto de questionamentos? 
Qual a história que contamos?
A história do Mário, do João, da Maria, do filho da puta que já nasceu sem sorte e com vontade de morrer. Daquele desgraçado que mora debaixo da ponte, que reconhece sua vida numa latinha de refrigerante, com duas pedras de craque dentro. É a história da puta que apanha todo dia do cliente depois de levar gozada na cara e ser obrigada a engolir a porra, mesmo dizendo que não gosta. A Caolha conta a história do surdo-mudo que mora no último andar do meu prédio, marido de uma surda-muda e pai de um surdo-mudinho, que sofre preconceito de outras crianças. É disso, a peça. Não é a história de quem tem dinheiro, é a história dos fodidos no mundo, que não encontram nem um sorriso por falta  de boas lembranças.
Mas a personagem não é uma mulher caolha?
Sim. E todos esses que eu falei são também caolhos. Falta-lhes uma parte importante nos olhos sociais. Enxergam a "realidade" male male só por uma fresta. Mas a personagem da peça é uma mulher que é caolha dos olhos mesmo.
E quem é essa mulher?
É um espelho, um saco de pancadas. É uma mulher que reservando esperança, o destino devolveu-lhe o pacote errado, entregando porrada. Recebe maldições de todos os lados, é o monstro da cidade, o fantasma da casa mal-assombrada, o demônio caído. A sociedade é o que sempre foi, aquela que julga, que define o certo e o errado, o bonito e o feio, o vizinho, o que expurga, que não caga, que exorcisa. A caolha é tudo o que não queremos ser: julgados, excluídos, jogados pros cantos até sair de dentro. É o que está fora.


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Perder


Todos os dias a gente perde alguma coisa. Um objeto, uma pessoa, um lugar. Estamos para perder.
Já observou o quanto perdemos todos os dias? Estamos perdendo tempo, perdendo a oportunidade de um abraço, perdendo a chance de ficar caladx. Cada passo dado representa um tanto de coisas perdidas. Cada minuto passado mais outro mundo de perdas. 
Eu, por exemplo, já perdi amigos e amores pro tempo. Já perdi pessoas importantes e que eu amo pra morte. Já perdi pensamentos pra olhos. Já perdi o rumo pra bebida. Já me perdi até pra minhas próprias perdas. E, aos 25, nunca me acostumei a perder. Sempre dói de alguma forma. E observando as pessoas mais velhas ao meu redor, sou capaz de afirmar que não hei de aprender, sempre doerá, machucará e será de alguma forma incômoda a tal da perda. 
Quem nunca perdeu um dia inteiro independente do motivo? Quem nunca perdeu uma oportunidade importante? Quem nunca perdeu a chance de falar algo bonito pra alguém, só porquê não concordava com essa pessoa? Sempre vamos perder. E sempre vamos pertencer ao outro. E sempre vamos nos perder nos outros. Aí, penso eu, que está o segredo: nos perdermos.
Na tentativa de se encontrar, vi pessoas perdendo a vida. Querendo ganhar dinheiro, perderem o tempo. Querendo ganhar fama, perderem saúde. Querendo ganhar confiança, perderem o amor. E assim, perde-se a leveza, perde a paz, perde o sorriso.
De qualquer forma, perder também é natural. Só não o é do jeito que costuma acontecer. Aí choramos, sentimos saudade, deixamos passar e percebemos que no outro dia vou levantar pra continuar perdendo.
E se for pra perder, que seja o medo, os antigos hábitos, as amarras. O resto... vamos perder de todo jeito mesmo.