Páginas

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Uns caminhos


Quando eu nasci, já fui logo batizado na Igreja Católica Apostólica Romana. Herança de meus pais, que herdaram de seus pais... Ganhei padrinho, madrinha e a bênção que se ganha nas boas intenções da água na cabeça da criança, no caso eu. 
Quando me entendi por gente eu era católico. Participei de grupo de jovem, fiz catequese, primeira comunhão e na hora da crisma, percebi que meus dons, aqueles que se recebem nessa cerimônia, me mandavam pra outro caminho.
Fui companheiro das Irmãs Cabrinianas. Inclusive, hei de dizer que se não fossem essas freiras, eu não seria metade do que sou hoje. E se vocês gostam de mim, agradeçam a essas mulheres também. Com elas aprendi o catolicismo popular, as Comunidades Eclesiais de Base, a possibilidade de um cristianismo que saía da batina e do hábito. A força dessas mulheres missionárias é tamanha! E eu aprendi a ser forte com elas. Aprendi também, com essas freiras, que existe uma diferença bem grande entre ser sutil e ser fraco. E foi com elas que eu percebi que o catolicismo já não me aprazeirava, não me fazia feliz e não me ajudava mais a desconstruir coisas em mim, pelo contrário, reforçava preconceitos e julgamentos. Deixei de praticar.
Então conheci o candomblé. E passo, até hoje, quatro anos depois do meu primeiro contato, por desconstruções enormes de coisas absurdas que eu aprendi com o preconceito alheio. Hoje é o lugar que me faz feliz e me mostra muitos caminhos pra minha vida, que só eu posso trilhar e escolher. 
O candomblé também me ensina, em muitos casos, como não ser. Nem todas as coisas me comprazem, mas quando meu pensamento está ligado ao meu orixá (não necessariamente no transe), sou uma pessoa feliz. E percebo também que aprendo a ser uma pessoa melhor, por mim mesmo e pelos processos de amadurecimento que a experiência no terreiro me proporciona.
Depois do catolicismo, e da minha vivência profunda e verdadeira na Igreja, percebi que religião (e a falta dela) é uma escolha pessoal. E não obrigatória! E que não faz nenhum sentido se essa experiência não vem acompanhada com felicidade e paz de espírito. Não acredito na obrigação da tristeza e nem do sofrimento.
E depois do candomblé, percebi que as coisas são extremamente mutáveis, que minha consciência é o deus soberano, e que cuidar da minha cabeça me fortalece. Tem gente que vai no psicólogo, outros no terapeuta, outros nas drogas. Eu gosto de Orixá! Mas não anulo a possibilidade de, vez ou outra, algum dos outros três. 
Estarei no candomblé pra sempre, como pra sempre também estarei no catolicismo, pq eles sempre estarão em mim.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Meu amigo Zé


O caminho é com meu amigo Zé. Quando não sei, ele me diz, quando não quero, ele me ajuda, quando eu brigo ele ri, quando ele briga eu ouço. É sabedoria primordial, de um conhecimento simples e bamba, que confunde até os mais sabidos. 
E no preconceito dessa gente 'branquela', que acha que dinheiro é tudo e que passa perfume pra esconder o cheiro da infelicidade, ele se faz pura cachaça e cigarro, pura sujeira da calçada, puro senhor da sarjeta.
Meu amigo Zé Pelintra, aquele que resignifica a palavra realeza, que desconstrói o poder do castelo, que desfaz o luxo das festas pomposas. Ele que aceita a areia da praia como tapete, a calçada como cama e os corpos suados das mulheres da rua pra entregar sua existência. E goza, com as mulheres e com a vida.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A guerra


Engana-se que a guerra é externa. Os tiros saem da nossa mente e atingem o coração. As foices cortam nossos sonhos. As algemas prendem nossos caminhos, aqueles que nós precisamos trilhar, mais ninguém. 
É dentro de nós que a pancadaria rola solta. E bate, quando esperamos mais do outro, quando cobramos a atenção que não temos, quando exigimos o lugar de prestígio que nos prometeram. E enquanto isso, a revolta aumenta e, consequentemente, os tiros.
A guerra é minha, todos os dias ao levantar, a lidar com o preconceito que eu alimentei, com todo machismo que eu me convenci. É minha quando eu luto, sem perceber, comigo mesmo e num ato auto destrutivo, destruo o outro. 
Não existem vítimas nessa guerra. Ela é diária. Lidar conosco mesmos é tão mais fácil, aparentemente. Segure os desejos, cale a boca, medite, agora dance, agora sorria, olha a foto, reze, abrace, sorria de novo e finja as good vibes. Parece piada, mas nos convencemos, nessa guerra, a nos convencer. O que é horrível, pq é sozinho no banheiro que vemos as ruínas de nós mesmos, dessa guerra que, transferida pra fora, acontece é dentro. E não tem convencimento que suporte as miragens.
E, se pensarmos que cada um tá passando uma guerra agora, independente de lugar e direito, seguramente contribuiremos pra amenizar os sofrimentos e as marcas dessa guerra. Como tudo que vai volta...