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terça-feira, 30 de maio de 2017

Quando o mundo acabar


Quando o mundo acabar, imagino que teremos alguns sinais mais claros poucas horas antes do espetáculo principal. Que nem show de festival, onde o meteoro é o último a tocar. O céu deve se escurecer, ou o sol não aparecer. Quando isso acontecer, eu quero estar numa plantação de cana, com uma faca bem amolada, um tamborete, tabaco e seda, e dois isqueiros - novos! Eles se perdem, acabam quando menos esperamos, melhor remediar. 
Ver o fim do mundo chupando cana tem um certo trem, quando imagino. Eu quero.

terça-feira, 23 de maio de 2017

As Mulheres

Nasci.
Tinha uma mãe. Outra me amamentou. Outra servia o escaldado.
Já foram três.
Moço, quando eu parti o joelho no meio, minha vó que me segurava no colo dela.
Quando eu senti fome, fugindo da cronologia, minha tia me amamentou.
Eu lembro de cada professora que eu tive.
Cê pira?
E da menina que eu escrevi uma carta e ela nunca me respondeu?
Até me abraçou no outro dia como se nada tivesse acontecido.
Quando eu desmaiei quando, por leseira, bati na pilastra, foi a Lígia que me segurou a onda.
Tudo girava.
Antes de ir pra escola, foi a Maura que me levou.
Paixão infantil é bom porque a gente não lembra depois.
Minha tia era minha professora, e foi a primeira vez que eu fui pra coordenação.
Tinha uma muda também.
E um pé de amora.
A Bruna.
A amiga que morava com a mãe no barraco de adobe.
Mãe de sangue.
Mãe de leite.
Mãe avó.
Mãe de Cristo.
Mãe de Santo.
Mãe gira.
Dama da Noite.
Maria Padilha.
Sete Saias.
Rainha.
Uma mais santa que a outra.
Moço, moleque levado, com tantas madrinhas.
Na fogueira são duas vezes.
Madrinha que cortava meu cabelo. Quem botou a mão na minha cabeça pela primeira vez.
Madrinha do supermercado. Minha lembrança do ovo de páscoa.
Madrinha da cidade onde eu nasci. Quem me esperou.
Madrinha da fogueira, onde renovou nosso laço no fogo.
Madrinha do rio. Da água. Da calma. Da proximidade ancestral.
Madrinha entidade.
De fora as amigas.
São tantas.
Esqueço do nome, mas nunca da cara.
Nem do carinho.
Nem do caminho.
Agradecido.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Conspiração parabólica

Será o dia em que vai entrar pela porta, sorrir ao avistar o pé de tomate que cresce junto com a espada de são jorge, tirar o sapato em cima do tapete, tocar o trenzim de barulinho pendurado só pra ouvir plim plim plim. De dentro do quarto eu reconheço quem preside o ritual.
Abro os olhos, rio, animo. Não visto camiseta, sento assim mesmo no canto da cama e pego a seda. Respondo a homilia da sua chegada, balanço o folheto enquanto canta pra mim. 
O Pipoca aparece pra avisar que tem alguém muito querido em casa. Eu digo que já sabia, enquanto enrolo. Você encosta no portal da porta, com aquela cara mais lavada do mundo, aparando meus medos. Lambo, colo o papel, você oferece o isqueiro, eu aceito. 
Combinamos tão bem. Conspiramos atraentes e atrações.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

7 coisas que meu celular, a internet e meus perrengues me ensinaram

1. Pra esquecer algum relacionamento amoroso malacabado não basta só bloquear nas redes sociais e excluir da agenda do telefone. É um processo dolorido de retorno a mim. 
2. Ter mais de mil amigos ou seguidores não me faz bem acompanhado ou não anula o fato de me sentir solitário. A solidão é uma beleza pra desembrulhar coisas velhas e melhor ainda pra jogá-las fora. 
3. Quando alguém (ou eu mesmo) apaga algum post não significa que deixou de pensar diferente. E quando alguém (ou eu mesmo) posta algo não significa que realmente acredita naquilo. 
4. É mais fácil apaixonar por perfil online que por prosa pessoalmente. 
5. Não é porquê acabou a bateria do celular que a minha também tenha acabado. Consigo sobreviver sem esse aparelho. 
 6. Tá tudo meio perdido, tentando se encontrar. 
7. O gigante acordou e pisou em cima da gente tudo.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Vi a mãe

Vi a mãe.
Meio confuso, 
que nem maré alta
que bate em pedra
que arrebenta muralha.
Hoje vi Iemanjá em mim,
que cuida de minha cabeça
que dá colo de mãe
e canto de sereia.
Deixa cair pra ver o choro
e o aprendizado.
Bagunça as vistas,
que nem água salgada.
Nas minhas lágrimas 
mato minhas saudades de Iemanjá. 
Saúdo o mar,
e o rio que cultuam Iemanjá.
Salve a mãe cujo filhos são peixes,
Senhora do espelho de prata,
Rainha do mar.