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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Conselhos

Te assegure no presente, que o passado já virou cinza e o futuro éter.
Te assegure no lugar que está, que o próximo passo está perdido.
Te assegure na sua infelicidade do agora,
naquela pequena parcela que te resta de sentir.
Sorria da desgraça encabeçada pela sua própria testa,
ou chore a culpa das estrelas.
Não espere pétalas quando esquecera de plantar a semente,
não espere vida onde cultuara a morte,
não espere luz na sala que você se encheu de cinzas.

Não se perca no toque,
que a pele alheia desbotara em suas mãos.
Não se demore no olhar,
que a distância vista se mostrará maior.
Não se encha de esperança,
que o amor acabou.

Só sobrou medo e dor.
E vontade de ajeitar. E medo e dor.
E vontade de voltar. E medo e dor.
E a vida continuando.



quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Ao afeto

Tudo que vem fica. E depois, haja dança pra botar tanta coisa alheia pra fora. E depois, haja tempo pra autoresdescoberta.
A vida inteirinha, até hoje, pra saber possível negar o afeto. E o não afeto. E o quase feto. E devo. Me sinto Moisés, abrindo o mar. Cada um sabe o tanto de água que consegue manipular. Ou sabe até que ponto deixar-se afundar.
As pessoas não são inocentes.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

animalia

Olhou pro relógio. Correu tempo, correu água do olhos, córrego passou, molhou os cílios, salgou léguas, saltou ondas, mergulhou profundo. "Esse tempo não é meu", esbravejou.
Como vaca, volta todo dia pro matadouro, pra fila do banco, pra fila do emprego, pra fila do supermercado. "Fila é a coisa mais democrática que posso ver, não escolhe lugar, está em tudo", pensou. Fila pra cagar, pra banhar, pra comprar, pra pagar.
Empurrado, amassado, cansado, atolado de lama, afogado, não pára o relógio. "Cato mamona, não consigo andar tão rápido", assumiu. Continua, abre caminho, desce a luz no fim do túnel, sobe pro fim do poço.