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terça-feira, 29 de setembro de 2020

caminhar

O filho de santo ouviu na cozinha que serve-se canjica branca pra oxalá. E na ânsia de servir seu santo, foi embora pra casa com aquilo na cabeça. 
Foi no mercado, comprou a canjica, cozinhou. Percebeu que não tava maciinha, mas serviu assim mesmo. Tirou da panela de pressão, já colocou logo no prato, saindo fumaça, botou no chão, acendeu a vela e bateu paó. 
Deitou feliz, aquela noite. Acordou no outro dia com a impressão de que não tava calmo como pensou que estaria. E foi piorando até o final do dia. 
Na sexta-feira seguinte foi dar satisfação ao ilê, e contou pra mokota da casa o que tinha acontecido. Ela riu. Fez um banho de boldo e folha da costa, deu no filho e o chamou na cozinha. Ele encostado, sem entender o que tava acontecendo, ela disse, "você ouviu, agora veja". Pegou a canjica, catou os grãos, colocou na panela de pressão e levou ao fogo. No tempo de tirar, que ela reconhecia pelo cheiro, abriu a panela, lavou e separou o omitorô e colocou no prato branco. O filho, esperando já impaciente enquanto lavava as louças e via a velha fazer tudo na calma, perguntou quando serviriam. Ela, na sabedoria, lhe contou um itãn que dizia sobre a temperatura de Oxalá. E quando percebeu que a comida já havia esfriado, pegou e o chamou até o quarto de santo, serviu a comida enquanto o filho chorava emocionado e arrepiado. Tudo em silêncio. Quando ela saiu, fechou a porta e lhe disse:
"O tempo entre ouvir, ver e fazer é diferente. Afine os dois primeiros e por fim suas mãos estarão preparadas  pra trabalhar da melhor forma possível. Isso vale aqui e em todo lugar".
O filho de santo ouviu.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Ansioso

 Andando com os pé semi rachado. 

Não à tôa, gosto de olhar a paisagem por onde ando. As pedras ou buracos do caminho às veiz passa desapercebidas. Olho de passarim, que parece que olha só pra cima. Mas se fosse de passarim mesmo, olharia pro chão, que é de onde vem a presa e o predador. 

Se vi raíz, se vi folha, se vi fruta, rastejar na areia me ensinou olhar pra cima, me necessitou subir em árvores. 

Foi quando te vi. E vendo e vendo, e olhando e olhando e sentindo todas as saudades do mundo, e a ansiedade principesca do tempo, aquela que é retardada pelo querer e não a passada do matuto, aquela que o desejo carrega o observar.

Como caminha o romântico, onde anda o livre no ser e estar sentir alguém. Poderia ser uma dúvida, imatura e cruel, de não ser e estar. 

Hoje olhei a cidade e parecia mandinga de nego sabedor. Sabe? E parecia rodada de saia de pombagira laçadora. O sol queimava e mesmo assim, andavam da rua o povo. Senti você tão perto e onde você tá não era distante. Éramos. Era contigo.

Minha juventude, daquela qual nunca saí, mesmo com as dúvidas que sinto depois de fechar o terceiro ciclo. E quem conta essas coisas, gente? 

Consigo imaginar coisas com você. E trens. E quereres ocultos aparecem no espelho. Eu quero. E se eu duvidar desse querer só um pouquinho, ele já me mostra, todas as malditas vezes, que quem está errado sou eu, não o desejo. E logo tudo passa, e os medos se esvaem, e água rola de novo, era uma pedra no meio da água. Peixe que nada. Cobra.

E ouvir o tambor, que me liga em mim, me liga a você. Uma força que existe e que sobe. Orgulho que sinto de ser parte dos seus passos. E belo é você que dança nas águas que eu nado. E de esquentar com óleo de dendê a pedra que eu deito.

Nós somos outono. E verão. E primavera todo dia que te vejo com os dente de fora. E inverno, só pra entender que o fogo antes de qualquer coisa, faz o mundo. E me faz em bracinhos de abraço, e peito de descanso, e corpo de lar.

Hoje vou triscar em seus ancestrais. E isso já faz de mim aquilo que sou. Com o passado temos o olho, as mãos presente e futuro todo passo que a gente dá pra sair de onde não deveríamos estar. Se tudo passa, que passemos pelo tudo sendo nós e juntim, Que eu te amo muito e desejo. 



sábado, 22 de agosto de 2020

Como pode?

Goiânia, 22 de agosto de 2020

Amor, 

Venho pensado, sem querer mas querendo, como fala de desenho animado, em "como pode?".
Como pode o papaléguas correr tanto do coiote. Como pode o gato correr tanto atrás do rato. Como pode?
Passa-se a vida inteira pra talvez perceber que as corridas tavam tortas e os caminhos trocados. Como pode?
Tenho a sensação que, sem você, seria eu assim no mundo, errante. Como pode?
Te amo muito.

Do seu,
Allanzim

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Há tempos não passava por aqui. Já não sentia tanto o medo do desejo idealizado. Falava tanto em desejos que desaprendi a desejar. Pensei absurdamente em, de uma forma ou de outra, explicar o que sentia que esqueci o próprio sentimento. Como um músculo que não perdera os movimentos, no entanto é incapaz de se mover.