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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A penteadeira

Acordei e pensei: eu preciso de uma penteadeira. Andando por aquela rua movimentada, à noitinha, quando as luzes amareladas dos postes ainda disputam brilho com a luz quase finda do sol poente e as luzes vermelhas dos carros fazem fila no sinaleiro, desenhando e colorindo o asfalto molhado da chuva de mais cedo, a vi, ali, na calçada em frente  daquele muquifo. Estava sozinha, como a última a ser lembrada ou a mais difícil de ser carregada: a penteadeira, que, arrebatado pelo amor à primeira vista, já dei logo a característica de "minha". A minha penteadeira foi deixada por último pra que eu a pudesse ver e ter, acreditei. Esperei e logo vi as pernas de um senhor que, ao abaixar pude constatar que era alguém com mais idade (mas que eu já  tinha percebido pelo andar), passou a porta de metal meio-aberta ou meio-fechada, dependendo do ponto de vista. Me apressei logo a dizer que queria aquele móvel. Sem entender muito minha empolgação e olhando nos meus olhos brilhantes, o senhor me perguntou qual o motivo de tanto furor. Respondi: "Eu quero uma penteadeira, pra colocar os potinhos que vieram com felicidade. Aquelas que eu joguei pro alto e abri a boca pra beber, que nem chuva".

domingo, 6 de novembro de 2011

Diga ao Fernando Pessoa que não tenha razão

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Trecho de “Tabacaria”, de Fernando Pessoa.

sábado, 5 de novembro de 2011

Se o menino conseguisse escrever qualquer coisa sobre ele que mudasse o curso da água do rio da sua vida, talvez ele tentasse mais um pouco. Talvez ele mergulhasse ali mesmo, tendo a liberdade de estar consigo mesmo, mesmo que somente num instante dum suspiro, no tempo da falta de respiração agradável. Dentro do menino sufoca. Quem entra tem dificuldade de sair, mesmo que ele queira que não estivesse ali. E o pior, as pessoas tem entrado na vida do menino sem pedir licença, sem nenhuma consideração com aquelas águas, e o menino não quer isso, não quer que sujem suas águas, que marquem suas margens com pegadas... essas pegadas não são apagadas pelo vai-vem das ondas.

Conselho básico

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor e não precisa escovar os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinho, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariado. (Então fique comigo quando eu chorar, combinado?). Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem… gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, a falta de pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes. Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça um louco bom, um louco que ache graça em tudo que rime com louco: lobo, bobo, rouco, môco… Goste de música e de nuvem. Goste de um esporte não muito banal. Invente de querer alguns filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois… se calhar… Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outros caras, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. NÃO me conte seus segredos… me faça massagem nos pés. Fume, não beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar… experimente me amar!
— adaptação de texto de Martha Medeiros

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Se eu não visse e não ligasse e não estivesse nem aí eu não me entregaria à breguitude do amor, e não seria quem eu sou.

Sinopse

in www.entreversos.tumblr.br, acessado em 01/11/2011



Só uma xícara de café, um masso de cigarros e no som uma baladinha romântica, que combina com a chuva que cai do lado da janela em que ela está sentada.