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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Do fogo eu vim pro fogo eles vão

Há algumas vidas atrás, os vi entrarem na modesta casa cheia de ervas penduradas. Lembro até hoje do cheiro de incenso, feitos pelas mãos de minha mãe, sendo tomado pelos gritos que ela soltou depois da bofetada que um dos seus deu em seu rosto. Urrei. Não adiantou. Vi minha mãe ser levada, a pontapés e xingamentos. Depois, não quis acreditar que aquele fogo enorme aceso no meio da praça... jogaram-na. Ela não gritou, me encontrou com o olhar e dali em diante soube que ela viraria força. Morri tempos depois, sendo chamado de filho da bruxa.
Vidas depois, vi, também no fogo, serem jogados meus livros que há tempos vinha colecionando, como se colecionam passaportes ou cartões-postais, viagens. Limitaram aquele que me salvaria das suas garras burras, meu conhecimento. Não adiantou muito, aprendi mais nos seus olhos doentios de ódio que com qualquer outro livro, afinal, a bruxa já tinha me ensinado a abrir a janela do olhar. Aprendi, inclusive, que o silêncio que me obrigavam a ter seria meu melhor companheiro. Calei.
Na última que me lembro, pensando estar salvo de seus fogos mortais, já sabia ficar calado, já sabia viver sozinho, mas nunca soube compreendê-los, senhores e senhoras intolerantes, preconceituosos, estúpidos e burros. Morri, agora, por uma arma de fogo, por não concordar com seus pensamentos. Mesmo calado sabia discordar.
Agora, senhores e senhoras, que querem meu voto de confiança, vos digo que NÃO. Nesta vida vim esperto. Calado sei balançar a cabeça discordando. Até pra chorar sei fazê-lo em silêncio. Enquanto gritam aos quatro cantos querendo atenção, aprendi a olhar e não ouvir. Aprendi, inclusive, a perceber quem são os meus e de quem eu sou. E continuo aprendendo. Doente sei usar meus matos. Ignorante sei aprender com o tempo. Atirado aprendi a me jogar.
Agora, senhoras e senhores, que sonham somente suas verdades, um aviso: do fogo que outrora me mataram nesta vida eu vim filho. É dele meu destino. Afogado não me matarão, já que da água vim companhia. E de todos os fins que me roubaram, o início que eu já tinha me acompanhou a renovação. É calados que vamos derrubá-los. É no nosso silêncio que cairão. Nosso silêncio é grito que vai ensurdecê-los. E o fogo, aquele que nos jogaram, há de julgá-los todos!

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