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sábado, 25 de setembro de 2010

Avohai na cabeça do menino

Eu via o velho, de longe, correndo debaixo do sol e em cima do sal. Com tudo longo, botas, barbas. Onde suas armas ficavam... Indiscritivelmente meu pai.
Hoje ele permanece na minha cabeça, na minha memória. Algo às vezes o neblina, como cortina.
O melhor, sabido. Que nem o terço brilhando entre os dedos de minha vó. Junto de pai. Nunca durmi só. Deus sempre estava comigo.
Pai era assim, de jeito calado, parecia emburrado com qualquer coisa que a gente nunca sabia. Um dia sempre tive a vontade de perguntar pra ele. Difícil, era fechado. Uma mémoria que ninguém discutia, parecia elefante. Me falaram que elefante que é assim, não esquece. Pai não esquecia nunca. Passava a Quaresma esperando, moleque mulinando, mechendo, trocando de trás da casa. E pai ali, calado como sempre. Em dia de aleluia ia batendo com um galho de tamarindo e dizendo: “Subiu na vaca... matou a rolinha... comeu carne... xingou a mãe de Pião”. Eu nunca gostei dos peões que trabalhavam em casa. De vez em quando os via de graça pra cima de minha irmã e eu sempre fui ciumento. Já vi que ciume é pecado e doença. Vou fazer o quê? Deixa a menina sair com um e com outro? Deixo não. Não deixo mesmo!
Já ouvi histórias daqui que ninguém sabe se é verdade. Personagens que vem e vão na cabeça desse povo que não tem onde cair morto. Uns até cantam enquanto os meninos dançam. Eu lembro, quando pequeno, de uns causos que contavam na porta da igreja, quando aqui ainda tinha padre. E hoje não tem padre, não tem freira, não tem tia, tio. Nem avô aqui tem. Só eu fiquei por aqui, esperando que pai volte pra me buscar. Mas sei que pai não vem, que nunca vem me buscar. E eu? Eu fico por aqui e calado, que essa história já me cansei de entristecer de contar.

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