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domingo, 30 de abril de 2017

Cerrádico

Eu, que sempre fui úmido, lânguido e aparentemente chuvoso, sequei o chão, entortei o caule, abaixei. Pego fogo só pra me ver renascer, e enquanto as chamas consomem minhas flores, preparo minhas sementes. Aprendi a guardar líquidos vitais dentro de mim, pra reflorir. Do calor sempre me afeiçoei. Quem passa por esse chão o faz rastejando, encostando a maior parte do corpo. Entre cobras e lagartos, sinto o toque e esquento a relação. Terra inflamável, só sobrevive quem sabe correr quando necessário. Em mim nascem as águas que saciam a sede, que fazem crescer as árvores de um país inteiro. Crescem os poços, tomam banho em mim, mergulham, me bebem. Escorro-me. Por fora sequidão, por dentro mar aberto. Empobrecido de nutrientes, aprendi me valer com o pouco que me sobra. Ainda assim me divido, me retorto, me refaço pro mundo. Me destroem. Acho lindo os amazônicos, mas valorizo os cerrádicos.

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